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O impacto do celular na escola: um desafio para o ensino e a urgência de mudança na lei


Quem tem mais de 45 anos lembra com clareza de um tempo em que fumar era permitido em shoppings, aeroportos, restaurantes e até em ambientes de ensino. Em algumas escolas, os professores fumavam enquanto davam aulas, enchendo de fumaça os uniformes e pulmões dos alunos.


Hoje, isso nos parece absurdo. É até incômodo admitir que convivemos tanto tempo com o cigarro em locais fechados e simplesmente aceitávamos isso como algo comum.


Pois bem, em três décadas sentiremos a mesma perplexidade ao lembrar que era comum que crianças usassem celulares, principalmente em sala de aula.


Os aparelhos celulares nas mãos dos alunos já se consolidaram como o maior desafio para professores interessados em produzir uma experiência pedagógica significativa, justamente porque as telas afetam três elementos decisivos para que isso aconteça: o foco, a resiliência dos alunos e a conexão entre aluno e professor. E não adianta tentar dourar a pílula dizendo que o celular é uma importante ferramenta pedagógica. Para os alunos e alunas reais – e não aqueles criados pela imaginação de educadores de gabinete – celulares significam redes sociais. Trato esses dois objetos – celulares e redes sociais – como uma só coisa aqui.


O foco dos estudantes é destruído pela ansiedade. Lembremos que as crianças pequenas precisam da validação dos pais para compreenderem o que é certo ou errado. Mas os adolescentes, como sabemos, buscam aos poucos essa aprovação social entre seus pares.


Esse é um movimento natural no processo de socialização: pertencer a grupos, ser excluído de outros, negociar posições sociais. Em um mundo ideal, isso ocorre em interações presenciais, olho no olho, e em momentos específicos (no intervalo das aulas, na hora da saída), com estratégias diversas (o esporte, a ajuda no trabalho de casa). Entretanto, as crianças que crescem imersas no que o psicólogo J. Hardt chamou de “infância baseada nas telas” substituem essa validação social, trabalhosa e importante, pela quantidade de “likes” e curtidas vindas de pessoas distantes, muitas vezes desconhecidas ou até inexistentes. Dessa forma, elas se tornam reféns das notificações constantes, sempre à espera de um sinal que confirme que “está tudo bem” e que “ela está sendo aceita”.


Essa validação social continua a ser decisiva, mas vem pelos meios, momentos, interações e remetentes errados. Como prestar atenção em algo quando a notificação aparece?


A resiliência é o outro elemento essencial atacado pelas telas. Nem toda experiência pedagógica será imediatamente estimulante. Lembramos disso da nossa época estudantil. É necessário se dedicar, sofrer com alguns exercícios, até que finalmente a endorfina da conquista apareça. Aquela sensação boa de finalmente entender a questão de matemática ou tirar uma boa nota na redação.


A construção de resiliência na escola é o grande laboratório para a vida adulta: nem sempre estaremos bem, nem sempre estaremos confortáveis e nem sempre estaremos satisfeitos.


Em menores proporções e num ambiente controlado, assim deveria ser na escola. Mas as redes produzem um feed interminável de pequenas e breves satisfações, que compensam muito mais rápido.


Como valorizar a sala de aula em meio a tudo isso, se existe um caminho que parece tão mais fácil e imediatamente prazeroso?


O terceiro elemento essencial à educação é a conexão entre professores e alunos. Professores bons e inspiradores são a variável mais importante do processo de aprendizagem. Escolas podem ter estruturas modernas e bonitas, utilizarem livros e apostilas robustas, entre outros aspectos importantes, mas são os professores que fazem a diferença. Todos nós, adultos, conseguimos fechar os olhos e lembrar de professoras e professores que nos faziam viajar, sorrir e nos surpreender com a nossa capacidade. Professores precisam ser inspiradores. Mas uma coisa é fato: nós, alunos, tínhamos que dar a chance dessa conexão.


Precisávamos ter foco no que os professores faziam e falavam para acreditar que aquilo era importante, de alguma maneira, para o nosso futuro. Professores hábeis se aproveitavam dessa janela de oportunidade e não perdiam a chance: conectavam-se.


Hoje, essa conexão é muito mais difícil, seja pela falta de foco (“recebi uma notificação”), pela falta de paciência e entusiasmo (existem prazeres melhores e mais fortes no meu celular) ou pela inversão de valores, que pode ser impulsionada nas redes. Celebridades venceram na vida produzindo dancinhas. Meus ídolos do futebol propagandeiam o dinheiro fácil com respostas prontas. Eu vou ficar aqui ouvindo esse professor?


Não há dúvidas: a presença das telas na escola é algo gravíssimo.


Proibir o uso de celulares nas escolas a partir de legislação federal é um passo importante para reduzir as desigualdades de iniciativas educacionais que já acontecem por parte dos educadores que não aceitam a manutenção desse cenário. Isso porque substituir essa dependência por uma experiência pedagógica enriquecedora vai exigir tempo, empenho, conscientização e recursos — fatores que, é claro, estão mais acessíveis para as escolas particulares.


Nesse sentido, uma legislação sólida pode ser uma grande aliada para as escolas públicas, que usariam o respaldo da lei para obter esses recursos e legitimidade por parte das comunidades.


Ainda assim, nada terá sucesso se não houver uma mudança cultural também em casa. Pais que comem pizza no jantar não conseguem convencer os filhos a comerem brócolis. Mães que vivem penduradas no Instagram não conseguirão estimular seus filhos a entender a importância de uma boa conversa, um filme, um livro ou um passeio no parque. A escola não conseguirá sozinha. Assim como no caso do cigarro, será difícil explicar às gerações futuras por que demoramos tanto tempo convivendo com o absurdo.



Marcelo Tavares:  Formado em História pela UFRJ, com mestrado e doutorado pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP-UERJ). Liderou o departamento de formação de professores no Grupo Salta e é diretor-geral do Colégio Sigma no Distrito Federal. Foto: Arquivo pessoal


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